Inteligência artificial pode parecer algo muito distante em um mundo onde pessoas ainda passam fome. Mas pesquisadores do Centro de Inteligência Artificial da USP não só pensaram, como desenvolveram uma solução que pode ajudar na tomada de decisões do poder público no combate à fome.
O Brasil sempre enfrentou a fome, em maior ou menor medida. A pandemia apenas escancarou a questão. Uma pesquisa do Datafolha feita no final de 2021 revelou que 15% dos brasileiros (32 milhões de pessoas), deixaram de fazer alguma refeição nos meses anteriores porque não tinham dinheiro para comprar comida, e que 26% (55 milhões de pessoas) haviam comido menos do que necessitavam por falta de dinheiro. Mas certamente a realidade da fome extrapola estes números.
Temos muitas organizações, públicas e do terceiro setor, dedicadas à causa da segurança alimentar, mas com pouca ou nenhuma organização das informações disponíveis sobre locais mais críticos, tipos de alimentos mais necessários, perfil das pessoas que precisam de apoio. É aí que entra a pesquisa da USP, financiada pela Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e também pela IBM, com participação de pesquisadores de ciências sociais, agricultura, nutrição, economia e engenharia da computação.
IA é capaz de criar novos algoritmos e apresentar soluções de combate à fome
Ainda restrita a grupos de trabalho e organizações sociais ligados à prefeitura de São Paulo, a ferramenta analisa e interpreta informações de centenas de bancos de dados diferentes por meio da inteligência artificial e, com isso, é capaz de criar novos algoritmos e apresentar soluções mais precisas e eficientes para as tomadas de decisão. O sistema consegue identificar quais regiões de uma determinada cidade carecem de infraestrutura e de opções adequadas para o fornecimento de alimentos, quais os bairros em situação mais crítica com base em dados sobre o número de feiras, supermercados, restaurantes, moradores, entre outras informações de determinada localidade. O professor de matemática e computação Alexandre Delbem, do Centro de Inteligência Artificial (C4AI) da USP, explica que a inteligência artificial pode auxiliar na comunicação e economia de tempo para formulação de soluções e implementação.
O software consegue cruzar os dados que se complementam a partir de informações cruas, sem tratamento. A Inteligência Artificial os interpreta e apresenta resultados e previsões em relatórios, planilhas, gráficos ou mapas. No caso do protótipo, o cruzamento automático de informações está sendo feito com base nos dados abertos do governo federal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e da indústria de alimentos, e está identificando as regiões mais suscetíveis à fome na cidade de São Paulo. O trabalho toma como base as demandas de dois grupos interinstitucionais que atuam no município com foco em ações e políticas para melhorar a qualidade da alimentação.
Um dos desafios é adaptar o uso da ferramenta ao tamanho do Brasil
Como a fome é um problema de muitas dimensões – pode ser por falta de dinheiro, de alimento, de acesso, de nutrientes – a integração dos dados é fundamental para sua solução. Hoje as informações de cada uma dessas áreas estão em bancos de dados geográficos, sanitários e médicos. A integração de tudo isso é um obstáculo que começa a ser resolvido. Outra possibilidade é adaptar a mesma tecnologia para reunir informações sobre mudanças climáticas e prever possíveis desabastecimentos na agricultura, permitindo mitigar efeitos de uma seca, por exemplo, na medida que permite se preparar para as intempéries.
O próximo e enorme passo será adaptar a solução ao tamanho do Brasil, que além do vasto território, tem muitos bancos de dados separados. Estados Unidos e China investem muito em Inteligência Artificial para aplicação em políticas sociais. A boa notícia é que o Centro de Inteligência Artificial da USP está aberto para o desenvolvimento de novas soluções e parcerias com o poder público em esfera estadual e municipal.