No início do ano, Bill Gates enumerou as 10 principais revoluções tecnológicas previstas para este ano. Dentre elas, uma vem chamando cada vez mais atenção do grande público: as carnes de laboratório, produzidas sem origem animal.
Uma das empresas pioneiras na criação de carnes desse tipo, a Impossible Foods anunciou, em Abril, uma parceria com o Burger King, para produzir o “Impossible Whopper”, um sanduíche que levará a marca do Burger King, mas com carne produzida 100% livre de origem animal.
O mercado de carnes cultivadas em laboratório pode ainda parecer bastante nichado, mas a projeção de crescimento para o setor é bastante otimista.
A ascensão do mercado de carnes de laboratório
A produção custou nada mais nada menos que 325 mil dólares e foi financiada pelo co-fundador do Google, Sergey Brin. Contudo, como estamos falando de tecnologias exponenciais, o custo de produção vem caindo bastante. A Future Meat, companhia israelense que recebeu investimento da gigante norte-americana Tyson Foods, acredita que o custo de produção para cada quilo de hambúrguer de carne cultivada deve cair para 5 dólares em 2020.
Outra das mais influentes companhias desse mercado é a Beyond Meat, fundada em 2009. A companhia, que abriu capital na bolsa esse ano, produz hambúrguer, bife, carne moída e salsicha, todas de origem vegetal. O “Beyond Burger” apareceu para o grande público em 2016, em uma unidade da Whole Foods. Desde então, expandiu seu alcance para 10 mil restaurantes e 30 mil pontos de distribuição.
Mas por que esse tipo de negócio tem feito tanto sucesso? Por que pessoas como Bill Gates, um dos grandes visionários da nossa geração, já investiu milhões de dólares em empresas como Beyond Meat, Impossible Foods e Memphis Meats, todas desenvolvendo carnes cultivadas em laboratório?
A questão é, com certeza, muito mais profunda do que uma moda passageira.
Projeções estimam que a população mundial poderá atingir 10 bilhões de pessoas em 2050. Como alimentar tanta gente, sem que continuemos a afetar o nosso planeta? Nos Estados Unidos, por exemplo, 10 bilhões de animais são cultivados para consumo todos os anos.
A produção econômica das carnes de laboratório
Em um estudo publicado em 2011 na revista Environmental Science & Technology pela pesquisadora da Universidade de Oxford, Hanna Tumisto, a criação de carnes de laboratório requerem 45% menos energia, 99% menos terras e 96% menos água do que o processamento de carnes feito da forma tradicional.
Com a iminente ameaça do aquecimento global e a necessidade de países, empresas e marcas alinharem suas ações diminuir os impactos nas próximas gerações, mais consumidores e companhias tem investido em produtos menos nocivos ao meio ambiente. Segundo Pat Brown, CEO da Impossible Foods: “Junte todos os carros, ônibus, caminhões, trens, navios, aviões, foguetes – todos juntos. Eles produzem menos emissões de gases do efeito estufa do que a indústria de agricultura animal.”
Todo o potencial de impacto das carnes cultivadas em laboratório atraíram a atenção não só de Bill Gates, mas também de gigantes da indústria alimentícia. Além de Bill, Jack Welch, ex-CEO da General Electric e Richard Branson, gigantes como Cargill e Tyson Foods tem investido, desde 2015, em foodtechs, como Memphis Meats, Beyond Meat e Future Meat.
Richard Branson alegou: “Acredito que daqui a 30 anos não precisaremos mais matar nenhum animal e que toda a carne será limpa ou baseada em vegetais, terá o mesmo sabor e também será muito mais saudável para todos.”
Carnes de laboratório já chegaram ao Brasil
Aqui no Brasil, empresas já começaram a entrar nesse mercado. A Behind the Foods, fundada pelo publicitário Leandro Mendes, produz carne a partir de batatas, fibra vegetal, beterraba e proteína de soja isolada. Esse ano, lançou seu hambúrguer, agora vendido por parceiros.
Recentemente, a empresa anunciou a produção de carne moída, carne de kafta e carne de polpetone. Além disso, a Behind the Foods agora está buscando parceiros para realizar vendas diretamente aos consumidores.
Outra empresa nacional já inserida no mercado de carnes do futuro é a Fazenda Futuro, que é, segundo ela mesma, “(…) a primeira foødtech brasileira, criando carne de plantas com a mesma textura, suculência e gosto de carne”. A companhia, fundada por Marcos Leta (fundador da marca de sucos Do Bem), é a responsável por desenvolver o Futuro Burger, hambúrguer feito à base de beterraba, proteína de ervilha, proteína isolada de soja e de grão-de-bico. O hambúrguer já é oferecido em mais de 100 parceiros, entre hamburguerias, restaurantes e supermercados, como Pão de Açúcar. Além disso, a companhia fechou parceria com o Spoleto, para que a rede ofereça carne moída e almôndega produzidos pela Fazenda Futuro.
Qual o futuro do mercado alimentício?
Para Michael Rowland, ex-vice-presidente do Morgan Stanley: “A tecnologia de carne cultivada, uma vez aperfeiçoada, reformulará totalmente nosso suprimento global de carne. Nossa carne será feita com ciência, não com animais”.
Outros tipos de alimentos de origem animal também tem ganhado suas versões substitutas. A Not Company, empresa chilena investida por Jeff Bezos e que desembarcou no Brasil esse ano, produz leite, maionese e iogurte usando inteligência artificial, sem ovos ou leite de vaca. A Kite Hill usa leite de amêndoas e vegetais para criar iogurtes, massas e queijos. A New Wave Foods, por sua vez, produz camarão à base de vegetais, enquanto que a Odontella produz salmão a partir de microalgas.
Embora ainda estejamos no início de toda a revolução de proteínas produzidas em laboratório, o impacto será que elas trarão será, sem dúvidas, gigantesco, já que possuem o potencial de provocar uma disrupção em um mercado avaliado em 90 bilhões de dólares.
No livro Megatech: Technology in 2050, Geoffrey Carr nos faz refletir sobre como podemos alimentar uma população de 10 bilhões de pessoas, sem que causemos ainda mais danos ao nosso planeta. Muitas são as possibilidades: desde satélites, inteligência artificial e drones tornando a agricultura quase perfeitamente eficiente, até a criação de fazendas urbanas verticais. No mesmo livro, o autor Robert Carlson propõe que os pastos do futuro serão dominados por “cowborgs”, ou seja, vacas-ciborgue, equipadas com bioprocessadores.
É bem provável que todas essas tecnologias irão, em algum momento, convergir. Uma coisa parece certa: é bem provável que, assim como dito por sir Richard Branson, daqui 30 anos nós estejamos consumindo proteínas de forma absolutamente diferente de como fazemos hoje.
É esperar (e agir) para ver.