Yuval Noah Harari é, sem dúvidas, um dos grandes pensadores da atualidade. Israelense, historiador e professor no Departamento de História da Hebrew University of Jerusalem, Harari emplacou três best-sellers mundiais nos últimos cinco anos.
Principais Livros de Yuval Noah Harari
Seu primeiro livro, Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, lançado em 2014, descreve a história humana com uma força narrativa sem precedentes.
Dentre diversas outras questões, Yuval Noah Harari busca elucidar perguntas como:
- O que possibilitou ao Homo Sapiens, subjugar as demais espécies?
- O que nos torna capazes das mais belas obras de arte, dos avanços científicos mais impensáveis e das mais horripilantes guerras?
Seu segundo livro, Homo Deus – Uma breve história do amanhã, lançado em 2016, projeta o futuro da humanidade para os próximos séculos e lança importantes questões sobre nosso futuro como espécie.
Dessa vez, ao invés de olhar para nosso passado, Yuval Harari volta seu olhar para o nosso futuro, buscando investigar qual o futuro da raça humana.
Após Sapiens e Homo Deus, em 2018 Harari lançou seu terceiro e, até aqui, último livro: 21 lições para o século 21.
Agora, o autor busca trazer à tona as grandes questões que irão moldar o futuro da humanidade durante todo o século 21.
Yuval Noah Harari – 21 lições para o século 21
Ao longo das mais de 400 páginas, Harari discute os mais variados temas, sempre defendendo que ter uma visão cuidadosa e urgente sobre eles é fundamental para a nossa existência. O autor engloba tópicos como tecnologia, política, esperança, futuro da educação e fake news.
Separamos aqui cinco lições essenciais trazidas pelo escritor em 21 lições para o século 21. Todas elas estão relacionadas ao mundo dos negócios, tecnologia, educação e, por que não, nosso próprio senso de humanidade.
Vamos lá!
1. O Futuro do Trabalho e a Inteligência Artificial
Em seu livro The Inevitable, o futurista Kevin Kelly diz que a Inteligência Artificial será a revolução que possibilitará todas as outras revoluções das próximas décadas. Yuval Noah Harari parece compartilhar dessa visão, já que separou um capítulo inteiro de 21 lições para o século 21 para discutir como a Inteligência Artificial afetará o futuro do trabalho.
Para Harari, toda a revolução da Inteligência Artificial não tem a ver apenas com adicionar cognição a todos os objetos que conseguirmos, para ele, a IA está ligada também às recentes descobertas relacionadas a como nós, humanos, tomamos decisões. Aquilo que chamamos de intuição nada mais é do que o resultado de cálculos feitos em frações de segundos, a partir de milhões de variáveis diferentes. Isto é, nossa intuição nada mais é do que uma capacidade de reconhecer padrões.
Isso evidencia que, mesmo aquelas as tarefas e funções que acreditamos que envolvem mais “intuição” podem acabar sendo substituídas por Inteligência Artificial.
Habilidades fundamentais da Inteligência Artificial
De acordo com Yuval Harari, a Inteligência Artificial possui duas habilidades fundamentais, inigualáveis por seres humanos:
- Capacidade de se conectar com outras redes neurais e continuar aprendendo continuamente (Conectividade)
- Habilidade de se atualizar constantemente, diminuindo erros (Atualização)
Erros humanos, por exemplo, são responsáveis por 90% dos acidentes de trânsito no mundo, que matam 1,25 milhão de pessoas todos os anos. Uma rede de carros autônomos totalmente conectada e que se atualiza constantemente poderia diminuir drasticamente esse número.
Isso obviamente significaria a perda de milhões de empregos relacionados à indústria automobilística. Contudo, sobre isso, Harari expõe:
“(…) seria loucura bloquear a automação em campos como o do transporte e da saúde só para proteger empregos humanos. Afinal, o que deveríamos proteger são os humanos – não os empregos”.
Mercado de trabalho no futuro
Segundo Yuval Noah Harari, o mercado de trabalho do futuro irá se caracterizar não simplesmente pela substituição de humanos por robôs, mas sim pela cooperação entre humanos e robôs.
Mesmo assim, o autor defende que, diante das mudanças extremamente rápidas que estamos prestes a presenciar, muitos profissionais não se adaptarão a tempo. Ou seja, não é loucura dizer que a Inteligência Artificial e a automação de processos podem criar uma camada gigantesca de profissionais irrelevantes.
“(…) apesar do aparecimento de muitos novos empregos humanos, poderíamos assim mesmo testemunhar o surgimento de uma nova classe de “inúteis”. Poderíamos de fato ficar com o que há de pior nos dois mundos, sofrendo ao mesmo tempo de altos níveis de desemprego e de escassez de trabalho especializado. Muita gente poderia compartilhar do destino não dos condutores de carroça do século XIX – que passaram a ser taxistas – mas dos cavalos do século XIX, que foram progressivamente expulsos do mercado de trabalho”.
Para Harari, os esforços a partir de agora devem se concentrar em proteger os humanos, não os empregos. Diante desse cenário, ideias como a da Renda Básica Universal, que propõe que os governos tributem os super-ricos e grandes corporações e que usem esse dinheiro para prover cada pessoa com uma renda básica, podem ganhar bastante força. Apesar desse modelo já ter sido defendido por Bill Gates, Yuval admite que o mesmo teria algumas dificuldades, como as definições do que é uma renda básica e o que é universal.
E você? Acha que uma Renda Básica Universal seria um bom caminho para o futuro?
2. O Futuro da Liberdade
Em seguida, Yuval Noah Harari passa a examinar como a Big Data pode influenciar a liberdade humana nas próximas décadas. Para o autor, nossas escolhas, sejam elas políticas, econômicas ou amorosas, não tem a ver com o que pensamos, mas sim, com o que sentimos. Mais do que isso:
“Sentimentos não se baseiam em intuição, inspiração ou liberdade – baseiam-se em cálculos”.
Bilhões de algoritmos bioquímicos estão por trás de todas as decisões que tomamos, em todas as áreas. A grande questão é: O que acontece quando empresas, Inteligências Artificiais e algoritmos poderosos começarem a conseguir “ler” todos esses nossos processamentos bioquímicos?”
Segundo Harari, empresas como Netflix, Amazon e Spotify já nos dizem o que assistir, comprar ou ouvir, baseado nos nossos interesses (que muitas vezes nem nós mesmos conhecemos) e em seus algoritmos super-poderosos.
Se empresas como essas já podem nos recomendar coisas novas com uma precisão absurda hoje, imagine daqui alguns anos, quando o número de dados produzidos por cada um de nós será imensamente maior do que é hoje?
Empresas como essas poderiam não apenas nos recomendar o que assistir, comprar ou ouvir, mas também o que estudar, para onde ir ou com que casar.
Para Yuval Harari, nossa dependência dos algoritmos pode acabar fazendo com que muitas pessoas desenvolvam uma confiança quase cega na Big Data, baseando todas as suas decisões em algoritmos, simplesmente por que eles são mais práticos e capazes de tomar decisões muitas vezes melhores do que nós mesmos.
3. O Futuro da Igualdade
“Os donos dos dados são os donos do futuro”
Harari expõe também sua visão sobre o futuro da (des)igualdade. Segundo o autor, a tecnologia, embora tenha contribuído para imensos avanços de relacionamento entre pessoas e países, pode também ser um dos principais fatores para o aumento da desigualdade entre pessoas.
A Inteligência Artificial pode praticamente extinguir o valor econômico e a força política de milhões (e até mesmo bilhões) de seres humanos. Mais ainda: os avanços na biotecnologia podem fazer com que as diferenças entre pessoas não seja mais apenas social, mas também biológica.
Para o autor, no futuro, os mais ricos podem ter acesso a tecnologias que prolongarão suas vidas e lhes darão mais conhecimento de tal forma que isso irá praticamente criar uma nova casta social.
“No longo prazo, esse cenário poderia até mesmo desglobalizar o mundo, pois a classe superior se congrega numa autoproclamada “civilização” e constrói muros e fossos para isolá-la das hordas de “bárbaros” no lado de fora. No século XX, a civilização industrial depende dos “bárbaros” para ter mão de obra barata, matéria-prima e mercados. Por isso ela os conquistou e absorveu. Mas no século XXI, uma civilização pós-industrial baseada em IA, bioengenharia e nanotecnologia poderia ser muito mais autocontida e autossustentada. Não apenas classes, mas países e continentes inteiros poderiam tornar-se irrelevantes. Fortificações guardadas por drones e robôs poderiam separar a zona autoproclamada civilizada, onde ciborgues lutam entre si em código, das terras bárbaras onde humanos selvagens lutam entre si com machetes e Kaláshnikovs”.
Um tanto pessimista, certo?
Segundo Harari, a única forma de impedirmos que esse cenário ocorra é evitar o monopólio de dados.
Revoluções Industriais se tornaram Revoluções Tecnológicas
O autor e jornalista Kenneth Cukier, no livro Megatech: Technology in 2050, descreve que o século 19 foi alimentado pelas máquina a vapor, o século 20 pelo petróleo e o século 21 será alimentado por dados.
E já que dados são o combustível do século 21, as empresas que controlam os dados controlam o futuro. Em seu livro The Big Nine, a futurista Amy Webb expõe as nove gigantes da tecnologia que controlarão o nosso futuro, dividindo-as em dois grupos:
- As chinesas Baidu, Alibaba e Tencent (Chamadas por ela de BAT)
- As americanas Google, Microsoft, Amazon, Facebook, IBM e Apple (Chamadas por ela de GMAFIA)
Cada uma dessas gigantes coleta uma quantidade imensa de dados de cada um de nós todos os dias, a cada pequena interação que fazemos on-line, fornecendo a elas mais e mais “combustível” (dados). Para Yuval Noah Harari, pode-se chegar o momento em que essas empresas serão tão poderosas e teremos tanta dependência dos dados que jamais poderemos nos “desconectar”. Segundo o autor:
“Humanos e máquinas poderão se fundir tão completamente que os humanos não serão capazes de sobreviver se estiverem desconectados da rede. Estarão conectados desde o útero, e, se em algum momento da vida você optar por se desconectar, as companhias de seguro talvez se recusem a lhe fazer um seguro de vida, empregadores talvez se recusem a empregá-lo, e serviços de saúde talvez se recusem a cuidar de você”.
4. O Maior Pecado da Ficção Científica (e o que isso tem a ver com Inteligência Artificial)
“O futuro não é que você vê nos filmes”
Saindo um pouco das previsões um tanto apocalípticas de Harari, o autor passa a discutir o que, para ele, é o gênero artístico mais importante do século 21: a ficção científica.
Produções como Matrix, Ela, Black Mirror e Westworld evidenciam como as pessoas, em geral, enxergam as novas tecnologias, com destaque para a Inteligência Artificial. Segundo Harari, essas produções, embora valiosas, pecam justamente por fazer com que as pessoas pensem que inteligência e consciência são a mesma coisa.
Em muitas dessas séries e filmes, as máquinas adquirem uma inteligência superior à raça humana, subjugando-nos. Yuval Harari, contudo, contesta essa visão. Segundo ele, inteligência tem a ver com resolução de problemas. Consciência, por outro lado, tem a ver com fazer questionamentos acerca da sua própria realidade, seu papel no mundo, seu passado, presente e futuro. Para o autor, é plausível que as máquinas superem sim, nossa inteligência. Mas é improvável que adquiram consciência.
Harari defende que a ficção científica, ao confundir inteligência e consciência, foca nos problemas errados.
“Como observado em um capítulo anterior, talvez o maior pecado da ficção científica atual seja a tendência a confundir inteligência com consciência. Como resultado, está preocupada demais com uma possível guerra entre robôs e humanos, quando na realidade devemos temer um conflito entre uma pequena elite de super-humanos com poderes ampliados por algoritmos e uma vasta subclasse de Homo sapiens sem nenhum poder.”
Embora Harari evidencie esse grande pecado, o autor defende também que a ficção científica explora muito bem o perigo de a tecnologia ser usada para manipular e controlar seres humanos.
“A atual revolução tecnológica e científica implica não que indivíduos autênticos e realidades autênticas podem ser manipuladas por algoritmos e câmeras de televisão, e sim que a autenticidade é um mito. As pessoas têm medo de ficar presas numa armadilha dentro de uma caixa, mas não se dão conta de que já estão presas dentro de uma caixa – seu cérebro – que está trancada dentro de uma caixa maior – a sociedade humana com suas incontáveis ficções.”
Yuval Noah Hararai e Admirável Mundo Novo
Como exemplo, Harari traz à tona um dos maiores livros de ficção científica já escritos: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, lançado em 1932.
Para Harari, a genialidade de Huxley está justamente em mostrar um mundo onde a biotecnologia avançada e engenharia social garantem que todos estejam contentes o tempo inteiro. O mundo é perfeito e próspero. Nada parece estar errado.
E é justamente nesse tipo de mundo que podemos viver em algumas décadas, quando algoritmos serão capazes de “ler” todas as nossas necessidades.
5. O Futuro da Educação
“A mudança é a única constante”
Um dos melhores capítulos de 21 lições para o século 21 é, sem dúvida, aquele no qual Yuval Noah Harari aborda o futuro da educação. Em um mundo que muda quase diariamente e que novas oportunidades e desafios surgem todos os dias, o autor levanta a pergunta:
“Como podemos nos preparar e a nossos filhos para um mundo repleto de transformações sem precedentes e de incertezas tão radicais?”
Mal podemos ter certeza de como o mundo estará daqui a um ano, como podemos nos preparar para o mundo em 2050?
Alguns especialistas defendem que 85% dos trabalhos que existirão em 2030 ainda nem existem.
Como se preparar para esse mundo? Por séculos, informação era algo escasso. Por muito tempo, livros eram objetos permitidos apenas àqueles com posições sociais mais privilegiadas. Hoje, a realidade é justamente o contrário. Ao invés de escassez, possuímos uma abundância de informação. Somos bombardeados por novos estímulos a cada segundo, o que faz com que muitas vezes não consigamos focar no que realmente importa.
Os 4 C’s que irão orientar o Futuro da Educação, segundo Yuval Harari
Para Harari, nessa nova conjuntura, a última coisa que professores precisam fazer é prover informações aos seus alunos. Praticamente toda informação já está disponível e a apenas poucos cliques de distância. Harari aposta que o futuro da educação está relacionado à combinatividade entre elementos:
“(…) as pessoas precisam de capacidade para extrair um sentido da informação, perceber a diferença entre o que é importante e o que não é, e acima de tudo combinar os muitos fragmentos de informação num amplo quadro do mundo”.
Segundo Harari, também não faz sentido ensinarmos aos alunos conjuntos específicos de habilidades, como fazemos hoje, justamente porque não sabemos quais habilidades serão necessárias no futuro. Ao invés disso, as instituições de ensino deveriam focar em ensinar os 4 C’s:
- Pensamento Crítico
- Comunicação
- Colaboração
- Criatividade
Assim, ao invés de ensinar um set específico de habilidades que em poucos anos podem estar ultrapassadas, Yuval Noah Harari propõe que os alunos aprendam habilidades que possam se aplicar a diferentes contextos, sendo capazes de lidar com as constantes mudanças que estão por vir.
Ao invés de simplesmente receber informações, os alunos devem, sobretudo, estar preparados para a mudança. Esse é o futuro da educação.
Inteligência Artificial e o que está por vir
Estar atento às mudanças não é mais apenas um diferencial. É essencial.
Harari fornece uma visão necessária (e muitas vezes pessimista) para que possamos vislumbrar para onde o mundo pode caminhar no século 21, com a Inteligência Artificial mudando praticamente todos os aspectos da nossa vida e o futuro da educação quebrando paradigmas na forma como ensinamos as pessoas.