Um Novo Conceito de Inovação: Da Economia Donut à República dos Seres Vivos

Quando falamos em inovação, temos sempre que lembrar que ela está contextualizada de várias formas. Além disso, quando algo inovador surge, ele desafia o que era, até então, a melhor possibilidade, o caminho mais interessante. Talvez seja por isso que geralmente dizemos que para inovar é preciso se abrir para novas ideias. Na realidade, é mais do que isso. Precisamos trocar ideias, trabalhar em grupo e nos questionar continuamente.

Recentemente li o livro da Rebecca Henderson chamado “Reimagining Capitalism” o título do primeiro capítulo diz mais ou menos assim, em livre tradução minha: “quando os fatos mudam, eu mudo minha opinião. E o o senhor, o que faz?”.

Essa frase para mim deveria ser abraçada por todas as pessoas que desejam inovar. Digo isso porque é muito diferente pensar em inovação na década de 50 (pós-guerra), na década de 70 (com uma perspetiva distinta do papel das organizações), ou nos dias de hoje (com valor maior para shareholders do que para stakeholders).

Mas mesmo assim, com todas estas diferenças, os processos de inovação nestes contextos respondem às demandas existentes não apenas na sociedade, mas também nas empresas. 

Entretanto, os fatos mudaram. 

Na realidade não mudaram, mas estão mais prementes e têm sido compreendidos cada vez mais, por mais pessoas: nosso mundo não dá conta do sistema que construimos ao longo do tempo, que pressupõe extrair valor da terra, e concentrar a riqueza.

Hoje, vejo muitos movimentos e alternativas para compreender melhor esses processos. Autoras como Kate Raworth, com a proposta de um modelo que considera os limites de nosso planeta e as reais necessidades das pessoas, a economia Donut, Mariana Mazzucato, com as ideias propostas especialmente no livro missão economia, de construção de um senso de missão para mudar nossa economia, e autores como Yancey Strickler, especialmente com o livro this could be our future, e Douglas Rushkoff, com o livro equipe humana, mostram alguns caminhos possíveis para pensar de maneira distinta não apenas nossas relações humanas, ou o desenvolvimento da economia, mas também como podemos inovar de maneira sustentável.

Esse processo para mim pode ser operacionalizado a partir da perspectiva do design estratégico. Este campo nos dá ferramentas e métodos que ajudam em processos de construção coletiva e de inovação que consideram como pressuposto conceitos como a noção de pluriverso e inovação social. 

No campo do design, uma das autoras que mais gosto é a Elke Den Ouden. Em seu livro Innovation by Design ela nos apresenta a ideia de inovação transformacional e também ressignifica o conceito de valor. Aqui, cabem perguntas como: o que é valor? Propósito? Existe inovação sem respeito à natureza? Sem reduzir a desigualdade? 

Recentemente escrevi um texto sobre novas formas de inovar, com dois amigos, o Jorge Audy e o Cesar Paz. 

Nesse texto tentamos apresentar alguns caminhos para compreender a inovação como um processo que gera valor hoje e amanhã, para todos. E esse grupo, que denominamos como todos, respeita o conceito de república dos seres vivos, descrito no livro Vita Contemplativa de Byung-Chul Han, onde o ser humano é concidadão de um espaço de compartilhamento com plantas, animais, rios e montanhas. A perspectiva de compreensão ecossistêmica de que vivemos em um mundo conectado.

Como mudar seu conceito de inovação?

O primeiro passo para a mudança é a compreensão de uma nova maneira, de conceitos que deveriam ter evoluído ao longo do tempo. No caso em debate, os conceitos de inovação e de valor. A partir disso, precisamos identificar elementos que precisam ser considerados quando avaliamos um produto ou serviço como inovador. Estes elementos não esgotam o debate e servem como base para um olhar mais sistêmico sobre o real valor do que desenvolvemos. Se o produto ou serviço não contemplar algum destes elementos, talvez não deva ser considerado uma inovação:

  1. Qual o impacto social?
  2. Qual o custo real, considerando inclusive o impacto ambiental? A partir deste custo, o produto/serviço ainda é viável?
  3. A proposta impacta positivamente algum dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável?
  4. O produto/serviço reduz a desigualdade social?

Estas são algumas perguntas preliminares, que podem ser ampliadas ou substituídas. Para avançar no debate delas, uma das potenciais metodologias é o design estratégico, com ferramentas como workshops e ciclos de conversa. 

Meu objetivo aqui vai ser trazer alguns desses conceitos para pensarmos.

Mas antes de avançarmos para soluções, precisamos construir um senso coletivo da necessidade de mudança. Vale aqui voltarmos ao início deste texto: quando os fatos mudam, precisamos mudar. 

Me parece que chegou a hora.

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