O Brasil está amadurecendo no cenário de startups e tecnologia, tanto é que, só em 2019, registramos a marca de cinco Unicórnios Brasileiros: Startups que valem mais de US$1 bilhão.
Atrás apenas de EUA e China, as startups brasileiras tem potencial para ir bem mais longe. O gráfico abaixo, elaborado pelo site Crunchbase, nos mostra a quantidade de novos unicórnios em 2019, em cada país:
Somado a isso, de 2015 até 2018*, o volume de capital aportado em startups, via fundos de Venture Capital (VC), aumentou 45%, conforme os números da ABVCAP e da KPMG Annual Data Consolidation, pesquisa que reuniu dados de 159 fundos de capital de risco ativos no Brasil.
Segundo este levantamento, em 2018, o capital total comprometido da indústria de capital de risco no Brasil foi o maior já registrado nos últimos anos, duas vezes o volume apresentado em 2017, totalizando R$16,6 bilhões.
*OBS: Este é um dos melhores levantamentos de dados da indústria de Venture Capital e Private Equity do Brasil. Como ainda não foi publicada a atualização com os dados de 2019 (até a data de publicação do presente estudo), utilizamos relatório de 2018 para reforçar a ideia da relevância e interesse do mercado, nos investimentos em startups brasileiras.
Porém, esse boom não aconteceu do dia pra noite, como a mídia nos dá a entender. Veja a quantidade tempo que os unicórnios brasileiros levaram até chegar nesse estágio:
Paralelamente, com a melhora dos indicadores econômicos e a queda da taxa básica de juros (Selic), o ecossistema de startups deverá atrair ainda mais investidores ao capital de risco e impulsionar a economia, bem como as inovações no país.
Continue lendo o estudo e entenda como foi o ano de 2019 para o ecossistema de startups do Brasil. Ao final, algumas sugestões de potenciais unicórnios para 2020, seguindo uma lógica bem simples.
Disclaimer e Informações Importantes Sobre Este Estudo
- Este estudo foi elaborado utilizando a base de dados do Dealbook, site de informações públicas envolvendo as startups brasileiras. Algumas informações como rodadas de investimentos (Rounds) e Ticket Médio foram criadas a partir de premissas de mercado, aplicadas à base do Dealbook. Essas premissas serão demonstradas ao longo deste estudo, de acordo com a informação apresentada;
- Outras fontes de dados também foram consultadas e serão apontadas caso a caso;
- O conceito de Startup utilizado neste estudo, está ligado a empresas com alto grau de escalabilidade, que operam em mercado enormes por meio de produtos e serviços inovadores. Portanto, aqui serão apresentadas empresas de diferentes portes e graus de maturidade, não apenas empresas nascentes ou com pouco tempo de vida;
- O conceito de Unicórnio leva em consideração as startups avaliadas (valor de mercado) ou que receberam valores acima de US$ 1 bilhão;
- O conceito de Investidores aqui utilizado é amplo e abrange tanto pessoas físicas e fundos de investimentos (anjos, semente, venture capital ou private equity), quanto players estratégicos como institutos, governos e empresas investidoras;
- Identificamos inúmeras transações onde não foram identificados os Investidores ou o valor específico da transação. Sendo assim, alguns dados poderão apresentar divergências de outras bases de dados, bem como divergir da realidade. Não inferimos em nenhum dado na base do Dealbook;
- As análises aqui apresentadas não se tratam de recomendação de investimentos em nenhuma hipótese. O(A) leitor(a) não deve considerar o conteúdo desta publicação como suficientes para tomar uma decisão de investimento. Você deve consultar seus próprios assessores para qualquer tomada de decisão de investimento. Não nos responsabilizamos por qualquer tipo de decisão decorrente da leitura deste estudo.
Agora sim! Tudo claro e transparente? Vamos em frente!
Startups Brasileiras estão jogando pra valer
Em 2019, 337 startups brasileiras se envolveram em algum tipo de movimento estratégico financeiro, seja ele fusão, aumento de capital, venda total ou incubação/aceleração.
O total de investimentos realizados, envolvendo todas as transações, foi de R$41,4 bilhões.
Os investimentos, embora centrados nas empresas aqui residentes, não necessariamente saíram de cofres brasileiros. Aliás, muitos dos investidores e fundos que aqui estão apostando, são oriundos de países estrangeiros, principalmente EUA, China e Japão.
É importante entender que cada transação e cada rodada de investimento tem diferentes perfis de investidores e quantidade de players envolvidos. Esta última, uma prática bastante comum na indústria de capital de risco, ligada com sinergias e redução de riscos nessa atividade.
Existem casos em que uma única rodada de investimento foi realizada por múltiplos investidores simultaneamente. Foi o caso da Resultados Digitais, por exemplo, que recebeu R$197,5 milhões oriundos de seis fundos de investimentos diferentes.
Destaco a seguir, as maiores e menores transações realizadas em 2019, separadas por empresa.
As cinco maiores transações realizadas foram:
E as cinco menores transações realizadas foram:
Investidores Mais Ativos
Do outro lado da mesa, nada mais, nada menos do que eles, os tão assediados: Investidores!
Identifiquei neste estudo, 372 investidores diferentes, dentre eles pessoas físicas, fundos de investimento, governos, empresas tradicionais, aceleradoras, fundações, bancos de investimento, bancos tradicionais e startups (sim, umas comprando ou investindo em outras!), fora aqueles que não foram nomeados em transações apontadas no Dealbook, conforme mencionado na seção Disclaimer.
Juntos, esses investidores se envolveram em 579 transações durante 2019. Uma média de 1,5 transação por investidor. Isso nos mostra quão ativos eles estiveram durante o ano. No entanto, temos que ser conservadores ao projetar 2020, pois esse indicador de atividade passada, não significa que isto se repetirá no futuro.
O mercado brasileiro é diferente do mercado americano, onde a bolsa de valores é muito maior, bem como o nível de atividade empresarial. O gráfico do Crunchbase mostrado do começo dessa análise ilustra isso muito bem, ao mostrar que por lá, foram criados 77 novos unicórnios, apenas em 2019, contra 5 no Brasil.
Lá nos EUA, o volume de capital de risco disponível é muito maior, praticamente infinito, portanto, cuidado ao ser otimista demais e achar que vai ter mais dinheiro que no ano anterior aqui no Brasil.
Voltando a terras tupiniquins, os cinco investidores mais ativos, em termos de envolvimento com startups (quantidade de transações) foram:
Paralelamente, os cinco investidores com maior volume financeiro, em R$ milhões, durante 2019 foram:
OBS: O gráfico acima mostra um investimento de R$4,9 bilhões da América Móvil, empresa mexicana, que no Brasil é dona da Claro, Net e Embratel. Deste montante, foram investidos R$ 3,6 bilhões na aquisição da Nextel Brasil e R$ 1,3 bilhão na compra da Telefónica Guatemala. Esta última transação, em minha opinião, não deveria constar na base de dados do Dealbook, pois foi a compra de uma empresa na Guatemala por uma investidora mexicana. Em todo caso, apenas considerando a aquisição da Nextel Brasil, a América Móvil continuaria no segundo lugar no gráfico acima, com R$3,6 bilhões.
Tipos de Investimentos Realizados em Startups Brasileiras
Para entender um pouco melhor, como foram realizados esses investimentos, vamos analisar:
- Os tipos de transação realizadas,
- Os estágios (rodadas) de investimento,
- Sazonalidade das transações.
1. Tipos de transação realizadas
Foram realizadas 403 transações de investimentos, fusões e aquisições envolvendo startups brasileiras em 2019, num total de R$41,4 bilhões.
Destas, 194 transações ficaram sem a informação dos valores envolvidos, sendo 9 delas sem valores e investidores identificados, conforme mencionei no Disclaimer.
Nas 209 transações onde foram informados valores e investidores, observei o seguinte:
- 180 startups captaram recursos (e aumentaram o caixa), num total de R$ 32 bilhões. Ticket médio de R$ 178 milhões/captação;
- 27 startups foram adquiridas em sua totalidade, no montante de R$ 9,3 bilhões. Isso nos dá um valuation médio de R$ 345,5 milhões/startup;
- 1 startup foi incubada/acelerada, com aporte de R$ 80 milhões;
- 1 startup fez fusão.
2. Os estágios de investimento
A indústria de capital de risco opera com a lógica de diferentes rodadas de investimento (volume financeiro), de acordo com o grau de maturidade da empresa. O gráfico abaixo ilustra bem essa lógica:
Perceba que, na medida em que a empresa cresce, ela vai precisando de mais dinheiro e fazendo interface com diferentes tipos de investidores.
Para complementar este estudo, usando os dados do Dealbook, foram adotadas as seguintes premissas:
- Investimento Anjo: De R$ 0 a R$ 0,5 milhões,
- Capital Semente (Seed): De R$ 0,51 milhões a R$ 2 milhões,
- Venture Capital – Série A: De R$ 2,01 milhões a R$ 15 milhões,
- Venture Capital – Série B: De R$ 15,01 milhões a R$ 50 milhões,
- Venture Capital – Série C: De R$ 50,01 milhões a R$ 100 milhões,
- Venture Capital – Série D: Acima R$ 100 milhões.
Importante: Essas premissas acima foram determinadas por mim, com base na experiência e diálogo constante com investidores, fundos e empresas. Não existe uma metodologia única para definição das diferentes etapas de investimento, por isso, usei dados que mais se aproximam da média praticada no mercado.
Com as premissas acima definidas, apliquei-as à base de dados do Dealbook e obtive os seguintes totais investidos, por rodada:
- Anjo: 10 startups receberam um total de R$ 1,6 milhão. Ticket médio/startup: R$ 160 mil;
- Seed: 33 startups receberam um total de R$ 35 milhões. Ticket médio/startup: R$ 1,05 milhão;
- VC – A: 47 startups receberam um total de R$ 263,9 milhões. Ticket médio/startup: R$ 5,6 milhões;
- VC – B: 32 startups receberam um total de R$ 895,3 milhões. Ticket médio/startup: R$ 27,9 milhões;
- VC – C: 17 startups receberam um total de R$ 1,2 bilhão. Ticket médio/startup: R$ 70,8 milhões;
- VC – D: 70 startups receberam um total de R$ 39 bilhões. Ticket médio/startup: R$ 558 milhões.
Sazonalidade de Transações para Startups
Interessante observar também, a sazonalidade das transações, ou seja, quando os negócios foram fechados no ano de 2019. O gráfico abaixo ilustra a quantidade de negócios, por mês:
Não à toa, boa parte dos investidores começa o ano com todo gás, a fim de movimentar seus funis de prospecção e concluem as transações por volta do meio do ano. Esse é um dos fatores que apontam um maior volume de transações realizadas entre maio e junho.
Isso não é uma regra, apenas um movimento comum observado no mercado de capital de risco.
Quais os próximos Unicórnios Para 2020?
Vou usar um método bastante simplificado, para filtrar as possíveis próximas startups unicórnio que poderão brilhar em 2020, dentro das empresas listadas na base do Dealbook.
Fiz apenas uma análise de mercado seguindo a lógica do grau de maturidade, sequência das rodadas e volume de investimentos.
Na minha opinião, as startups que receberam entre R$500 milhões e R$1 bilhão só em 2019 (fora rodadas anteriores), terão boas chances de se tornarem unicórnios em 2020.
Seguindo esse filtro e aplicando-o à base de dados, encontramos o seguinte:
- Creditas: Plataforma digital que facilita o processo de contratação de empréstimos. Já recebeu diversas rodadas de investimentos e só em R$ 2019, R$ 924 milhões.
- Loft: Já se tornou unicórnio, então, está fora da lista de possíveis para 2020!
- Centauro: Varejista de artigos esportivos que levantou R$ 772 milhões em seu IPO na bolsa. Aparece no Dealbook, mas não tem o conceito de startup que definimos para este estudo, portanto, fica fora da lista dos potenciais.
- Loggi: Já se tornou unicórnio, então, está fora da lista de possíveis para 2020!
- Zup: Empresa especializada em transformação digital, foi adquirida pelo Itaú Unibanco por R$ 575 milhões. Por conta disso, acho que ela não vai entrar para a lista.
- VTEX: Com uma estrutura tecnológica de vanguarda a VTEX é hoje reconhecida pelos institutos Gartner e Forrester como uma das líderes globais de soluções de e-commerce. Acredito que ela tenha o potencial de se tornar unicórnio em 2020.
Em resumo, meus palpites para 2020 é que Creditas e VTEX se tornem unicórnios.
Outras startups, que em minha opinião, estão no páreo para 2020 são:
- MadeiraMadeira: Plataforma de e-commerce de produtos para o lar, que obteve investimento de R$ 440 milhões em 2019 do SoftBank;
- CargoX: Já foi cotada como possível unicórnio pelo site CBInsights em fevereiro de 2019. É uma espécie de Uber para a área de logística e fretes. Mercado gigantesco, só no Brasil.
Agora é só aguardar para vermos como o mercado vai reagir e precificar essas empresas!
Conclusões sobre Análise de Startups Brasileiras
Após efetuar essas análises de investimentos, fusões e aquisições envolvendo startups brasileiras em 2019, dois pontos ficaram bem claros.
Transações e Investimentos são para poucas Startups
De acordo com o StartBase, temos hoje 12.822 startups no Brasil. Como vimos, 337 startups brasileiras se envolveram em algum tipo de transação em 2019. Portanto, apenas 2,6% delas tiveram esse “privilégio”, sem contar aquelas que já obtiveram algum investimento no passado, anterior a 2019.
A moral da história aqui é: Não pense que vai abrir uma empresa e já conquistar cheques milionários do dia pra noite, que isso, simplesmente não vai acontecer. Como acabamos de ver neste estudo, os casos de startups que conseguem atrair são investimentos são poucos, sem falar no pináculo de unicórnio que é realmente algo raro!
As startups que atraem investimentos conseguiram criar produtos e serviços inovadores, resolvendo problemas em grandes mercados. Falando assim parece fácil criar uma startup de sucesso, mas na prática, não é.
É preciso garra, dedicação, inteligência, sensibilidade, empreendedorismo, liderança, conhecer de finanças, marketing, tecnologia e, claro, muito, muito suor para conquistar o mercado e os investidores.
Ecossistema está crescendo
De um lado a economia melhorando e com juros baixos, o que força os investidores a alocarem seus recursos onde os retornos são maiores, ou seja, boa parte vai para capital de risco.
Do outro, tecnologias cada vez melhores e disruptivas, criando possibilidades nunca antes vistas na face da Terra.
E no meio disso tudo, um Brasil com empreendedores conectados, ávidos por gerar valor, resolver problemas e claro, faturar e lucrar! A soma desses três fatores, em minha opinião, cria uma tese consistente para o crescimento do ecossistema de startups brasileiras.
No final das contas, não existe mágica. O cenário parece promissor, mas nada substitui o talento e o trabalho cotidiano do empreendedor. Como bem disse Daniel Chalfon, sócio da Astella Investimentos: “2020 será um 2019 com esteroides”.
Vamos torcer e trabalhar para que seja isso mesmo!