Pluriversos: Como desenvolver inovações mais transversais e com olhares mais sistêmicos?

A discussão sobre o tipo de inovação que praticamos passa por compreender o que e pra quem fazemos. Na realidade, passa por uma mudança de modelo mental, em direção a uma construção coletiva, ao co-design, e a compreensão de que não existe uma única alternativa, ou algo que funciona linearmente para todos.

Alguns livros como  “The end of average” do Todd Rose e “Mulheres invisíveis” da Carolina criado Perez, trazem a compreensão dos perigos do viés de pensarmos pela “média”.

No campo do design, um dos principais conceitos é a ideia de design inclusivo, e esse olhar permite que possamos construir projetos respeitando a individualidade e promovendo inclusão. 

Uma das autoras que mais gosto é a Kat Holmes. No livro Inclusive Design ela mostra que a questão da deficiência deve ser contextualizada. Eu posso ter um problema de visão, por exemplo, por estar mexendo no telefone ao volante, ou ter passado por uma cirurgia. Por isso, nao se caracteriza como um atributo pessoal, mas como dependente do contexto. Essa mudança de perspectiva cria novas possibilidades projetuais. Possibilidades pluriversais, que vem do reconhecimento dos caminhos que nascem na interação e na compreensão dos múltiplos universos existentes. Quando reconhecemos isso, vemos um potencial muito maior de construção do novo, pois o novo vem do diferente. 

Um exemplo disso nas organizações é a diferença que temos quando montamos um grupo de trabalho onde todos são iguais, tem a mesma formação, mesma idade, mesmas referências. A possibilidade de inovação nesse caso é limitada, pois os olhares se repetem. Quando colocamos pessoas diferentes nestes espaços, temos a possibilidade do novo, do incômodo que vem a partir de um olhar que nos surpreende. 

Saindo do ambiente empresarial e buscando um olhar ecossistêmico de nossa realidade, podemos perceber o mesmo, em todos os espaços. 

Todos os lugares possuem uma perspectiva pluriversal que está escondida, as vezes abafada pelas formas como interagimos, ou pelo que valorizamos. 

Revelar esse pluriverso é uma forma de agregar mais valor, sistemicamente, para todos.

Mas afinal qual o conceito de pluriverso?

A perspectiva do pluriverso, segundo Arturo Escobar, reconhece a necessidade de compreendermos outros mundos além da narrativa que nos é imposta pelo modelo vigente.

Na sala de aula, por exemplo, espaço no qual atuo e pesquiso:

O conceito de pluriverso se materializa por exemplo, a partir de duas perspectivas:

Assim, a natureza do pluriverso se materializa no reconhecimento destas diferenças e na potência transformadora que temos a partir da diversidade. Reconhecer essas possibilidades abre caminho para mais e melhores inovações. 

Uma das autoras que fala sobre isso e que tem sido bastante importante no contexto do design e da compreensão do pluriverso é a Lesley Ann-Noel. Eu tive a oportunidade de entrevistá-la no meu podcast e seria legal se pudessem ouvir lá, o link está disponível no final do video.

A Lesley propõe, por exemplo, jogos de carta e outros materiais para que possamos fazer uma espécie de checklist para reduzir o viés do que projetamos. Um dos projetos chama Critical Alphabet.

Mas qual a relevância disso tudo no contexto da inovação?

Aqui, cabe reforçar que o reconhecimento do pluriverso nas fases iniciais de um projeto permite que diferentes olhares sejam percebidos e alternativas sistêmicas e sustentáveis sejam consideradas. 

Cabe aqui reforçar que estamos falando de inovação em uma perspectiva regenerativa, e em muitos casos inovar é desviar do tempo flecha e pensar no tempo circular, olhar para a nossa ancestralidade, por exemplo.

Eu gostaria de sugerir para vocês que buscassem alguns livros sobre o tema, especialmente o livro Pluriverso: dicionário do pós-desenvolvimento, que foi organizado por 5 pesquisadores, incluindo Arturo Escobar, mas conta com muitos outros que revelam caminhos possíveis a partir de uma perspectiva de inovação social.

Podemos utilizar estas referencias como casos inspiradores, como caminhos para aprender mais sobre nós mesmos, e como elementos essenciais nas etapas iniciais de processos criativos e de inovação.

Quando fazemos isso, ampliamos as possibilidades de olhar e podemos criar algo novo, único. Algo efetivamente inovador.

 

Fonte:

ROSE, TODD. The End of Average: How We Succeed in a World That Values Sameness. HarperOne; Illustrated edição (19 janeiro 2016)

CRIADO PEREZ, CAROLINA. Mulheres invisíveis: O viés dos dados em um mundo projetado para homens.  Intrínseca; 1ª edição (5 outubro 2022)

ESCOBAR, Arturo. Designs for the Pluriverse: Radical Interdependence, Autonomy, and the Making of Worlds. Durham (Estados Unidos): Duke University Press, 2018.

LEITÃO, R. M.& NOEL, Lesley-Ann (2022) Special Forum: Designing a World of Many Centers, Design and Culture, 14:3, 247-253, DOI: 10.1080/17547075.2022.2110796. Acesso em 27/10/2022. Disponível em: https://doi.org/10.1080/17547075.2022.2110796

LEITÃO, R. (2020). Pluriversal design and desire-based design: Desire as the impulse for human flourishing. In Pivot 2020 Conference Proceedings. 10.21606/pluriversal.2020.011

NOEL, Lesley-Ann & Tsekleves, Emmanuel & Leitão, Renata. If you’re not in an existential crisis as a designer in Social Design, you’re not doing it right! in The Little Book of Designer’s Existential Crises in 2022. Ann. (2022).

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