Desafios de um líder de marketing em um time de futebol nos anos 2000

Uma das minhas atividades profissionais foi atuar como CMO do Grêmio, em Porto Alegre, de 2005 até 2008.

Peguei o clube em um momento crítico, estava rebaixado para a segunda divisão, com total escassez de recursos(então, uma alta demanda em obtê-los, sem nenhuma facilidade para conseguir, muito pelo contrário), torcida desacreditando, desânimo.

Fiz parte de uma nova geração de líderes que foi contratada a partir do diagnóstico de uma consultoria, Qualitin, buscados no mercado e portanto verdadeiros profissionais do ramo. Digo isto porque dentro dos clubes de futebol havia e ainda há uma boa parcela de dirigentes ligados às agremiações exclusivamente por sua paixão, não importando ter qualificação ou não para desempenhar tal atividade.

Houve um choque cultural entre os dirigentes e colaboradores não profissionais e os profissionais, foi imediato. Além de uma forte rejeição junto aos funcionários mais antigos, que estavam há décadas no clube-sejamos justos, não todos mas a maioria. Assim, havia adicionalmente uma forte tensão. 

Trago esta experiência porque algumas questões podem ser úteis hoje:

Vou contar uma pequena parte, pois estive dois anos e meio como líder do marketing, de forma que narrar tudo o que aconteceu levaria mais tempo e fundamentalmente porque pode ser útil para o nosso entendimento sobre este negócio(marketing esportivo x empresas) e toda espécie de organização.

Gestão de Marketing Esportivo

Da mesma forma que grandes empresas, equipes de esportes variados também precisam de uma boa campanha de marketing para melhorar sua reputação com torcedores e com o público em geral.

Então, a questão da gestão estava tentando ser resolvida. Abaixo de mau tempo, conflitos, trabalhar sob forte pressão. Apesar do quadro que pintei, a coisa estava organizada. Tínhamos reuniões semanais, às segundas de manhã bem cedo para fazer todas as análises cabíveis no desempenho da semana: o que ocorreu, o que podia ser melhorado, como, com que recursos alocados.

Bem, mas vamos ao que pode ser mais atraente: o Grêmio teve uma campanha no ano de 2005 que foi de razoável a boa. Decidiria seu futuro(o futuro significaria ter reduzida em mais 50%, pois já tinha sido reduzida em 50% no primeiro ano de rebaixamento, sua cota de TV) em um jogo contra o Náutico, na casa do adversário. Até aí, exclusivamente nervosismo. Mas o jogo foi acontecendo. Porém, a marcação de um pênalti contra o Grêmio(injusto) fez as coisas saírem do controle: reclamando muito, tendo jogadores agredidos, os atletas do Grêmio foram sendo expulsos, polícia militar em campo, até restarem apenas 7 em campo. O Grêmio não poderia tomar o gol. E o goleiro defendeu!  O jogo seguiu acontecendo e um atleta que entrou (Anderson) acabou fazendo o gol da vitória e da ascensão para a série A novamente.

Contei tudo isto para dar uma ideia do clima em que a partida aconteceu e portanto o que ocorreu com a vitória. A chamada Batalha dos Aflitos simplesmente enlouqueceu(quase que literalmente) os torcedores do Grêmio: muita comemoração em Porto Alegre, atletas recebidos por uma gigantesca massa de torcedores no aeroporto. E agora chego aonde quero chegar: vocês podem fazer ideia da demanda enlouquecida por produtos do clube, não? Todos queriam vestir, portar, ter qualquer item do clube, em especial a camiseta oficial. Porém, o fornecedor de material esportivo da época (Puma) havia feito uma grande que previa o crescimento gradual das vendas, o que era natural. Ninguém esperava por um fato inacreditável como este. 

Uma oportunidade em meio ao caos

Foi aí que me vi diante de um enorme problema: torcedores invadindo a loja do clube, atrás de camiseta(principalmente) e quase tudo com a marca do Grêmio. As camisetas oficiais (maior desejo do torcedor) acabaram rapidamente.

O que fazer? Torcedores xingando o CMO, o presidente do clube me exigindo que eu tivesse produtos(camisetas) na loja e em outros locais.

Pensei e então surgiu uma ideia: me reuni com três fabricantes do que chamamos de camisetas alusivas, t-shirts de algodão, mas com um design moderno, de alta qualidade. Estas empresas produziram dia e noite e abasteceram a loja do clube e outras lojas (detalhe importantíssimo: o jogo foi em 26/11, portanto estávamos muito próximos do Natal), resolvendo temporariamente a questão das camisetas, deixando a todos felizes. E, claro, a Puma produzindo o máximo que conseguia. Problema resolvido e oportunidade explorada.

Porém, diante de um resultado épico como foi o jogo, não poderia deixar de capitalizar mais: com duas empresas diferentes, produzimos dois DVDs distintos, embora o tema fosse o mesmo. Um deles, em especial, gostaria de mencionar: sempre acompanha um clube de futebol uma equipe de segurança. Esta foi liderada por um Coronel(Sidenir), que acabou por gravar tudo em sua câmera. O que chamo de tudo? As condições absolutamente precárias com que o Grêmio foi recebido no estádio, em seu vestiário, recém pintado, com áreas de grade com cadeados fechados, falta de água, tendo os jogadores do Grêmio que entrar no gramado somente para jogar, sem possibilidade de aquecimento. E entraram pelo meio da torcida. 

Então, tínhamos matéria prima abundante para um dos DVDs. E matéria prima com altíssima carga de emoção, levando o torcedor para os bastidores do que ocorreu no jogo. Então, aproveitamos e os DVDs foram também um sucesso. E não foram somente estas iniciativas vencedoras que desenvolvi, mas este artigo se tornaria muito extenso.

Fazer acontecer sem a necessidade de recursos

Contei esta longa história para ressaltar alguns pontos: choque de gestão, desafio de fazer sem recursos e ainda ter que captar recursos, cenário amplamente adverso(também aconteceu no jogo tal fato) e principalmente criatividade para a resolução de problemas e aproveitamento de oportunidades existentes em seu máximo potencial. Todos estes fatores podem – e devem – ser aplicados em qualquer tipo de organização seja hoje, seja lá em 2005. E também uma outra questão: tentem se reportar a 2005 e pensar nos recursos tecnológicos que tínhamos disponíveis. 

Somente para finalizar: ninguém, muito menos eu, faz nada sozinho. Tive abaixo de mim uma talentosa e dedicadíssima equipe, além de contar com o apoio de instâncias superiores. Tente “tirar” tudo o que ocorreu do ambiente de marketing esportivo e transpor para as organizações, empresas(micro, pequenas, grandes, startups) e encontrarão fatos que podem servir de inspiração a partir de uma reflexão e comparativo. 

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