Tomamos decisões com base no que achamos que sabemos, e desta forma, nossos dias, semanas e anos são o acúmulo dos resultados que acreditamos terem sido os melhores possíveis desfechos. No último artigo, vimos que a postura humana frente aos riscos é inábil e ineficiente, onde o efeito posse, ou dotação, nos torna avessos ao risco em situações que poderíamos alcançar novas oportunidades, ou propensos ao risco de forma imoderada, em momentos de perdas.
A desestabilização de perder um bem, outrora conquistado, nos deixa com a visão turva para decisões mais coerentes. Neste artigo, trataremos da fixação funcional, mais um viés cognitivo que nos induz a suposições cristalizadas a respeito da função de objetos e torna nossa capacidade criativa, imaginativa e inovadora tão menos frutífera do que gostaríamos.
Continue lendo a seguir, e entenda sobre essa tendência para reforçar pensamentos e princípios desenvolvidos no passado e replicá-los no futuro de forma sistemática, leva a uma inércia de raciocínio frente a desafios novos.
O que é Fixação Funcional?
Para ilustrar a compreensão da rigidez de pensamento que a fixação funcional traz, vamos voltar ao experimento do problema da vela, de 1945, famoso ensaio criado pelo psicólogo Karl Duncker. Na figura temos uma mesa, uma vela, uma caixa de tachinhas, uma caixa de fósforos e a parede. O desafio é fixar a vela na parede e acendê-la, utilizando os itens apresentados.
A solução, de prender a caixa na parede com as tachinhas, não é simples, apesar de parecer óbvia depois de visualizar o resultado, uma vez que a familiaridade com o uso da caixa na função de receptáculo, nos impede de ver seu novo uso como suporte para a vela.
Se extrapolarmos para a vida profissional, e mesmo para os negócios em geral, vemos uma forte inclinação na aceitação das coisas como elas são, um costume pelos resultados já alcançados sem questionar que podem ser muito maiores ou mesmo em direções diferentes. Superar essa predisposição para a passividade rumo à obliteração de limites faz-se um componente fundamental para a prática da inovação, que prevê um postura flexível e ativa.
Cases de sucesso
Dois excelentes casos de insucesso do mercado, que mostram a visão estreita da fixação funcional em ação, são o Yahoo e a Kodak. Confira mais detalhes a seguir:
Yahoo
A Yahoo perdeu mais de noventa por cento do seu valor de mercado ao longo de 16 anos. Em 2008, a Microsoft fez uma oferta para comprar a empresa por US$ 45 bilhões. Em 2016 foi comprada pela Verizon por pouco mais de US$ 4.8 bilhões. Essa perda vertiginosa de valor deveu-se principalmente à passividade frente às mudanças drásticas que o mundo enfrentava.
Ela estava fixa em sua função de ser a página principal dos navegadores da internet pelos PCs, e não se atualizou com novas funções para a era das redes sociais e dos smartphones, em que o tempo de uso está baseado no interesse pelos aplicativos, e não mais num portal de internet estático na tela do computador.
Kodak
A Kodak, tinha sua razão de ser muito limitada e atrelada ao ato da revelação das fotos. Ela não ampliou seu olhar para uma função mais ampla, como por exemplo, dar conta de registrar o efêmero, dar vazão à necessidade humana de registrar a vida e as lembranças. Desta forma, ficou passiva em seu foco inicial, não investiu em tecnologia, mas a encarou como concorrente, e foi soterrada por ela no final.
Qual foi o real motivo da falência da Kodak? E como ela fez para retornar em 2020?
Mas afinal, como superar essa difícil propensão à continuidade, infecunda e estreita em caminhos já conhecidos e visões cristalizadas? A partir da definição de inovação de Peter Drucker a seguir, vamos propor uma metodologia para implementar atitudes que ampliam a visão rumo ao incremento da criatividade:
“Inovação não é apenas fazer coisas diferentes, inovação é também fazer as mesmas coisas de formas diferentes, criando assim novos potenciais.”
Como aplicar a inovação na prática?
Então, como aumentar a potência das pessoas, equipes e empresas rumo a ambientes mais criativos e inovadores? Podemos resumir algumas estratégias que se provaram eficientes através da visão dos 3Ds, metodologia própria que utilizo nas minhas mentorias e workshops de inovação que incluem: Diversidade; Dificuldades e Diversão.
1. Diversidade
Ao começar pelo primeiro D, de Diversidade, já fica bastante evidente o impacto e a força da diversidade ao olhar para o Vale do Silício. No Vale do Silício, 45% da mão de obra nas empresas de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) é de funcionários estrangeiros. Entre os programadores, este número chega a ainda mais impressionantes 70%.
A diversidade de olhares é importante. A partir da soma de ideias, saberes, experiências, culturas e vivências diversas aumentamos em muito a amplitude de pontos de vistas e vencemos a tendência natural de ideias fixas em conceitos passados com experiências e culturas isoladas.
Outro aspecto da diversidade que é de extrema importância é a diversidade de repertórios, mesmo no âmbito individual. Leonard Mlodinow, em seu livro “Elástico”, desenvolve vários conceitos com o intuito de apresentar a dualidade entre os pensamentos fixos e os elásticos, mais inovadores. Para conseguirmos criar novas ideias e conceitos, precisamos de repertório variado, multidisciplinar e multicultural. Isso gera pontos de conexões no cérebro que nos fazem ter os desejados insights.
2. Dificuldades
O segundo D são as Dificuldades, em que ambientes de desafios constantes são muito mais ricos em termos de estímulos para o surgimento de novas ideias e pontos de vista do que lugares estagnados e passivos. Quando aumentamos a complexidade, desafiamos nosso cérebro a criar novos caminhos, e por mais desconfortável que possa ser, é muito poderoso. Um exemplo inusitado e interessante é o do compositor e produtor musical Brian Eno. Ele trabalhou com David Bowie, com o U2, com a banda Devo, com o Coldplay, e muitos outros.
E o que ele fez para deixar essas grandes bandas de rock ainda melhores? Ele criava uma confusão com elementos inesperados para interromper o trabalho dos músicos. Por exemplo, no meio de uma gravação, determina que todos mudem de instrumento. O saxofonista, de uma hora pra outra, vira o pianista, por exemplo. Após esses momentos perturbadores, novidades musicais incríveis aconteciam.
Pensar em sair da zona de conforto, pode ser obviamente desconfortável, mas também muito transformador. Encarar desafios é fundamental para ter riqueza de experiências e capacidade criativa, por mais difíceis e incômodos que possam parecer à primeira vista.
3. Diversão
O último D, e literalmente o mais divertido, é a da Diversão. Todos conhecemos bem o chamado ócio criativo, que na atualidade é provado como fundamental para que novas soluções e ideias sejam emergidas em nossas mentes. A atividade cerebral, principalmente nos pontos de conexão entre neurônios que carregam distintos significados, é mais ativa em momentos de distração do que de foco.
E são justamente essas conexões, de repertórios diferentes, como visto na diversidade, que são os responsáveis pelos insights e ideias inovadoras. Ou seja, desfocar do problema a ser resolvido, ver um bom filme, ler um livro, ir à uma exposição e viajar, são ótimos ingredientes nesse caldeirão de insumos criativos em busca de uma vida mais diversa, cheia de desafios e divertida.
Assim como o universo está em expansão, nossas ideias e pontos de vista não devem nem precisam permanecer estagnados e fixos. Afinal, como disse Spinoza, “a mente humana é parte do intelecto infinito de Deus” e portanto, quem somos nós para limitá-la a conceitos e pré-conceitos pequenos ou ultrapassados?
Excelente texto para iniciarmos o mês carregado de uma nova meta rotineira.