Cautela com a propensão ao risco em casos de perdas recentes

Somos os seres mais racionais do nosso planeta, e, ainda que Descartes aconselhe o uso de métodos isentos de sentimentos para decidir com base na razão, somos constantemente rodeados de situações em que essa máxima não se concretiza. No último artigo, sobre aversão ao risco, vimos que o medo de perder nos impede de tentarmos algo novo, ainda que as chances sejam razoáveis de sucesso.

Neste artigo, o foco será o outro lado da moeda, quando em situações com opções ruins, e principalmente, após uma perda recente, temos maior propensão ao risco. Nos dois casos, temos uma mesma força motriz atuando, que nos leva a decisões piores para nós mesmo, o que não deveria acontecer com seres tão bem dotados da dita razão.

Essa força insensata chama-se apego. Se por um lado somos avessos ao risco pelo medo de reduzirmos nosso “território”, por outro somos propensos ao risco por estarmos desestabilizados após uma redução deste mesmo “espaço”. 

 

Economia Comportamental

Imagem via AvelChuklanov/Unsplash

A economia comportamental traz contribuições da neurociência e da psicologia cognitiva para entender o comportamento dos humanos nas mais diversas decisões do dia a dia. Vamos usar mais uma vez esse instrumental teórico para entender a propensão a tomada de riscos após a experiência de uma perda recente. Por exemplo, se um trabalhador teve uma perda salarial substancial, ele fica mais disposto a arriscar em uma nova atividade, como um negócio próprio, mesmo com o risco alto inerente aos novos empreendimentos.

Quando as pessoas estão de frente com opções difíceis, em tempos de prejuízos recentes, a tendência é buscar a opção em que exista uma esperança, mesmo que remota, de recuperar o que foi extirpado, frente a opções em que se aceita um insucesso com cem por cento de certeza.

A dificuldade inerente ao ser humano de aceitar fracassos e perdas faz com que muitas pessoas e empresas sigam trajetórias além do razoável, abraçando sua propensão ao risco e transformando perdas administráveis em possíveis desastres e ruínas.

Em ecomês, os retornos marginais decrescentes da utilidade da riqueza determinam uma dor mais forte por uma perda concreta de um valor médio, do que a chance de perder um valor maior no futuro, contando que exista uma pequena esperança de evitar essa perda. Traduzindo: a certeza de uma perda média hoje dói mais do que uma perda maior no futuro que apresente uma vã de ser evitada.

 

Mentalidade Inflexível e Riscos Irracionais

Imagem via twinsterphoto/iStock

No último artigo, vimos que somos avessos ao risco em situações de oportunidades com chances de ganhos. A mesma força que nos faz, muitas vezes sermos previdentes demais e deixar de arriscar em opções que poderiam ser mais favoráveis para nós, nos faz tomar decisões ruins, na parte da curva negativa, de perdas financeiras, simplesmente pela dificuldade de aceitar um insucesso ou prejuízo que poderia ser perfeitamente gerido e muitas vezes aproveitado como aprendizado para uma mudança de rota consciente. O cuidado com a sua propensão ao risco deve ser redobrado, sempre.

Essa potência, que vence a razão tanto na subida, quanto na descida da montanha, chama-se apego, ou efeito dotação. Queremos a qualquer custo, manter nosso estado atual e ficamos cegos para mudanças e oportunidades que poderiam ser mais interessantes. No próximo artigo, vou falar da fixação funcional e da nossa inércia em aceitar novas funções, seja para objetos ou pra nós mesmos. Neste artigo, vamos focar em exemplos de empresas que poderiam ter refletido e mudado a trajetória de falência, aceitando perdas razoáveis, ao invés de chegar em situações de insolvência total, muito além do que seria racional. 

 

Exemplos da Teoria do Comportamento

Os exemplos abaixo reforçam a grande lição da teoria do comportamento para tomadas de decisões e a avaliação de riscos: queremos manter sempre nossa posição atual.

 

1. OGX

O primeiro caso emblemático a ilustrar essa situação, até pela vultuosidade de números é a OGX. Depois de criar uma imagem de enorme sucesso e reunir um time de alto executivos para se tornar o barão do petróleo do Brasil, Eike Batista manteve a qualquer custo seu discurso inicial super otimista a respeito dos poços de exploração que foram arrematados pela OGX.

Após vários novos relatórios técnicos e mesmo após um início de produção abaixo do prometido, ele foi aumentando o endividamento da empresa, sem nenhuma alteração de rota mais realista. Ao final, o resultado foi uma falência mais grandiosa do que o reinado uma vez imaginado, com dívidas acumuladas da ordem de 4 bilhões de reais. 

 

2. Natan Jóias

Outro caso que vale destacar é a joalheira de alto padrão, Natan Jóias. Referência desde a década de setenta, a partir de 2005 começou a ter problemas de gestão financeira e só 10 anos depois de acumular dívidas tentou uma recuperação judicial, porém já tarde demais para impedir a falência que foi decretada em 2019. 

 

3. Toys R Us e Forever 21

Duas grandes varejistas surpreenderam alguns desavisados com suas difíceis situações financeiras: Toys R Us e Forever 21. Ambas ficaram tempo demais tentando se agarrar em esperanças vãs de recuperação de faturamento, sem mudar a trajetória de falência com ações concretas de adaptação às novas realidades culturais e digitais. O resultado é desastroso, com acúmulo enorme de dívidas e imagem desgastada com os shoppings e mesmo com os clientes finais.  

 

O que podemos aprender com a propensão ao risco?

Oportunidades são menos atrativas do que o medo de deixarmos de ter o que já conquistamos. Quando enfrentamos perdas recentes, por outro lado, temos um ímpeto irracional de reaver o que nos foi suprimido, subestimando os riscos de prejuízos maiores e muitas vezes irreversíveis.

Um bom antídoto para fugirmos dos dois vieses de comportamento, que estão em lados diametralmente opostos, porém unidos pelo vício humano da manutenção a qualquer custo de seus bens, é em primeiro lugar, a compreensão dessa tendência. Depois, ter uma postura mais flexível e resignada para falhas ou pequenas perdas, com abertura para avaliar novas opções e visões externas.

Questionar comportamentos cristalizados e ideias fixas, ao mesmo tempo que ampliamos o olhar para planos alternativos, são excelentes formas de evitar cair na espiral da falta de racionalidade. Afinal, como dizia Platão, “uma vida não questionada não merece ser vivida”. 

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